INFRADESCONEXÃO
UMA PESQUISA BASEADA EM PRÁTICAS ARTÍSTICAS

CABOS SUBMARINOS NA PRAIA DA MACUMBA
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Em outubro de 2017, a Praia da Macumba sofreu um desmoronamento que afetou a área de ancoragem de cabos submarinos no litoral do Rio de Janeiro. A colisão entre o avanço do mar e as infraestruturas invisíveis da conexão aponta para um futuro em que a erosão costeira também corrói os circuitos da comunicação global.
TORRES DE TELECOMUNICAÇÃO NO MORRO DO SUMARÉ
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Em outubro de 2024, o Morro do Sumaré foi palco de um incêndio que durou mais de 24 horas, ameaçando torres que sustentam os sinais de rádio e televisão da cidade. Com a amplificação dos eventos extremos, as antenas que hoje distribuem informação podem tornar-se ruínas silenciosas no rastro dos ventos quentes e da fuligem.


DATA CENTERS NO ENTORNO DO RIO PAVUNA
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No início de 2024, o rio Pavuna transbordou e causou uma das enchentes mais intensas já registradas, atingindo centros logísticos e data centers da região.
Quando a água invade os bastidores da conectividade, revela as rachaduras de uma promessa tecnológica que ainda ignora o pulsar das margens urbanas.
Como a pesquisa é feita?
A pesquisa parte da ideia de que as mudanças climáticas e as infraestruturas de comunicação estão profundamente entrelaçadas — especialmente quando observadas a partir de territórios urbanos vulnerabilizados.Para investigar essa relação, a metodologia adota uma abordagem baseada em práticas artísticas e performativas, que reconhece o gesto criativo como forma de conhecimento. Ao invés de representar os territórios, a pesquisa busca habitá-los sensivelmente, provocando experiências, escutas e registros que emergem do corpo, do ambiente e da rede.
As ações acontecem em três territórios do Rio de Janeiro marcados pela presença de infraestruturas críticas (cabos submarinos, torres de telecomunicação e data centers) e por impactos ambientais recentes (erosão costeira, incêndio florestal e enchente urbana).
A pesquisa se organiza por meio de:
Práticas situadas, como caminhadas performativas, oficinas, registros visuais, sonoros e experimentações com o corpo em contexto;
Microficções, glossários e ensaios visuais, que criam modos sensíveis de narrar a crise climática para além da linguagem técnica;
Escritas artísticas e teóricas, em diálogo com campos como comunicação, arte, antropologia e estudos das infraestruturas;
Uma plataforma online viva, alimentada ao longo dos anos com rastros desses processos — imagens, sons, textos e cartografias afetivas.
Mais do que representar, o projeto se propõe a experimentar a fricção entre clima e conexão, produzindo percepções encarnadas sobre um mundo cada vez mais instável — tecnicamente e ambientalmente.
Data centers, cabos submarinos, antenas de rádio e televisão são diferentes tipos de infraestruturas de mídias. Em seu conjunto, formam uma megaestrutura que sustenta a distribuição de sinais audiovisuais e dados digitais e cuja operacionalidade é crítica para o funcionamento da sociedade em seus mais diversos aspectos. Apesar disso, as infraestruturas de mídias ainda são um tema pouco estudado pelas ciências humanas e sociais.
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O projeto aqui desenvolvido (com apoio CNPq/FAPERJ) começa a ampliar as discussões em torno do tema e o faz chamando atenção para a presença dessas infraestruturas em territórios específicos do Rio de Janeiro, bem como reconhecendo e apontando a vulnerabilidade desses territórios e dessas infraestruturas para as mudanças climáticas.
A proposta envolve visitar os territórios e colocar em prática uma abordagem multidisciplinar pautada em práticas artísticas e ir compartilhando as experiências e percepções na página web INFRADESCONEXÃO. Com isso, visa-se reconhecer e aprofundar relações entre os estudos das mudanças climáticas e os estudos das infraestruturas críticas.
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Tais estudos constituem tendências de pesquisa que na última década ganharam crescente atenção internacional justamente por suas urgências em áreas como a geografia, a comunicação, a antropologia, sociologia, as engenharias, as artes, as ciências políticas, dentre outras.
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Em comum se pode dizer que as mudanças climáticas e as infraestruturas críticas se apresentam ao público em uma escala temporal e geográfica demasiadamente ampla e, portanto, de percepção desafiadora para a escala humana. Ainda que as infraestruturas façam a mediação da nossa percepção das condições dos ambientes, há uma carência de inteligibilidade cultural sobre como clima e infraestruturas sustentam as condições de existência e os modos de vida na atualidade e como podem entrar em colapso simultâneo em um futuro próximo. Em 2021, as Nações Unidas lançaram um relatório especialmente dedicado à necessidade e demanda de se pensar a relação entre infraestrutura e mudanças climáticas, com atenção especial para o potencial transformador para as infraestruturas de comunicação digital.
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Os estudos de infraestrutura de mídias têm se realizado chamando atenção crítica para as materialidades da distribuição das mídias — seus recursos, tecnologias, trabalhos, entornos, bem como relações que dão forma, energizam, sustentam ou se emaranham na distribuição global, nacional e local de sinais. O movimento permite reconhecer, de modo geral, como esses elementos operam tanto como forma material quanto como construção discursiva, seguindo rotas do passado colonial e sendo instalados em territórios e ecologias marcadas por turbulências de ordens diversas.
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Nesse sentido, a pesquisa se propõe a articular os estudos de infraestruturas com os estudos das mudanças climáticas, promovendo não só o conhecimento nos âmbitos conceitual e teórico, mas também poéticos e estéticos, ao adotar uma estratégia metodológica que se baliza das artes para diversificar seus modos de produção e comunicação científica.
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Infraestruturas são comumente marcadas por uma disposição afetiva que envolve indiferença, apatia e desinteresse (mesmo no campo acadêmico). Um amplo espectro de afetos infraestruturais, conforme Lisa Parks, pode estar desconhecido e não refletido simplesmente pelo fato de que certas perguntas nunca foram feitas sobre a distribuição dos sinais que sustentam um senso comum de comunicação e tempo global. Parks, nesse sentido, defende que os pesquisadores têm como papel ampliar os horizontes dos imaginários infraestruturais, o que se pode entender como modos distintos de pensar e perceber o que são as infraestruturas, onde elas estão localizadas, quem as controla e o que elas fazem.
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Pelo seu caráter inovador e o desafio de se trabalhar com múltiplos territórios, o projeto tem um caráter embrionário, sendo as ações aqui descritas marcos iniciais para o desenvolvimento de uma compreensão e uma percepção do tema a ser aprofundada e diversificada ao longo de anos.
